quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A Europa é hoje o Brasil pré-real


Economista, que dirigiaLehmanBrothers no paísem2008, compara situação europeia ao
Brasil antes da responsabilidade fiscal e vê volatilidade prolongadaembolsas e commodities


Conrado Mazzoni
cmazzoni@brasileconomico.com.br
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Até agora, o sobe-e-desce mais intenso nos mercados traduz uma mudança brusca nas expectativas para o crescimento da economia global. Até agora. Para quem viu literalmente de perto o ápice da última crise financeira, em 2008, há sinais condizentes de uma ameaça de ruptura nas condições de crédito e, dessa vez, o olho do furacão é o sistema bancário do velho continente. “Podemos sim viver uma crise de grandes proporções, de liquidez, com paralisia no crédito. Todos aqueles horrores daquela época”, alertaWinston Fritsch.
O sócio-fundador da Orienta Investimentos sabe o que está falando. Ele chefiava as operações do Lehman Brothers no Brasil no derradeiro setembro de 2008. O economista, um dos componentes do ilustre time que implementou o Plano Real (1993-1994), teme o problema de governança na Europa, que classifica hoje como uma espécie de “Brasil pré-real”. Ele aponta o mercado longe do equilíbrio e volatilidade duradoura nas bolsas de valores. Depois da tempestade na semana passada, como tem sentido a temperatura das bolsas? Toda vez que os mercados ficam voláteis é porque algo foi gerado fora do equilíbrio. O fenômeno foi uma mudança muito brusca da projeção de crescimento da economia mundial, especialmente de países centrais. Por dois motivos: a constatação de que a Europa está indo em um caminho certamente de recessão ou até mesmo de ruptura de uma crise de crédito.Acho que o melhor cenário para a Europa é uma estagnação prolongada, que pode degringolar em uma ruptura se a questão dessas dívidas soberanas não for equacionada. O outro foi a forma como se resolveu a pantomina do Congresso americano sobre a votação do teto de dívida, que acabou com uma pressão para uma política fiscal muito mais recessiva do que estava projetado anteriormente. Sema confirmação de políticas monetárias mais frouxas, essa política fiscal mais ou menos mata ou até aborta a pequena, mas visível, recuperação que vinha ocorrendo nos últimos anos. Caem os preços de commodities e a bolsa brasileira, por exemplo, que tem um peso gigantesco de empresas que têm lastro com commodities, como Petrobras, Vale, OGX e empresas de alimentos, sente muito. Teremos mercado volátil durante algum tempo. As autoridades, desde europeias a asiáticas, têm lançado mão de uma velha receita para enfrentar a crise, impondo restrições nas operações de venda a descoberto (venda de ações sem detê-las, na esperança de que o preço recue e recompra-se a um preço menor). Culpar a especulação é tentar encontrar um bode expiatório? Dá um recado ao mercado de que a coisa está feia e o caso americano, em 2008, mostra que não é uma receita de sucesso. É uma tentativa de parar o relógio na esperança de que as coisas melhorarem. Caso não melhore, depois será precificado nos preços. Estamos, na verdade, voltando a um cenário de crise gerado pela consequência de 2008 ou estamos corrigindo a impressão de que nunca saímos dela? Acho essa uma consequência da forma como foi vencida a crise do Lehman Brothers. É claro que a raiz ainda está na digestão da expansão pós-crise de 2008. Os EUA fizeram um ajuste razoavelmente bem feito de socialização de prejuízos em uma situação de crise gigantesca, em que 
eram o epicentro. Os europeus não fizeram o dever de casa e não controlaram a expansão fiscal de estados periféricos, que pode, em um efeito dominó, levar a uma crise catastrófica. O problema da Europa é mais grave porque não há um sistema de governança centralizado, não há o senhor presidente, não há o poder fiscal do parlamento americano, no sentido de impor disciplina fiscal. É a exposição de um problema fundamental do desenho da comunidade europeia. O que acontece agora é ter uma gestão durante um tempo como o FMI faz com estados devedores. É uma situação frágil, não se pode dizer que o arcabouço montado
aguenta um efeito dominó em toda a Europa. No Brasil pré real, o mais importante feito na área fiscal foi a Lei de Responsabilidade Fiscal: a consolidação da dívida dos estados, que fez uma despesa fiscal centralizada. A Europa é hoje uma espécie de Brasil pré-real. O longo impasse político americano na discussão do teto de endividamento acabou ficando como um bônus ou um ônus do processo democrático? As instituições americanas foram testadas mais uma vez, e elas se sobressaem muito bem.O jogo foi todo  jogado com as regras, lá não tem gol de mão. E as regras são essas: os republicanos têm maioria e  encostaram o presidente na parede para fazer o que queriam. O interessante é a divisão que existe hoje entre  ultra direita e os democratas americanos. Isso é algo que não acontece há muito tempo. Há uma radicalização 
forte da direita no partido republicano. Esse é um dado novo que acontece após a eleição do Obama. A  partir de agora pode se perder um pouco aquela irrelevância de alternância de poder nos Estados Unidos. A  eleição pode ser um fator de desestabilização econômica. Sem muito espaço para estímulos monetários nem fiscais nas nações desenvolvidas, como estimular o crescimento? Muito difícil. Há muito tempo o mundo não dependia tanto da China para sustentar um ambiente favorável para crescimento das economias emergentes, hoje quase metade da economia mundial. Hoje em dia o crescimento depende muito da solução da questão  europeia, criação de mecanismos que resolvam o problema da dívida como aconteceu nos Estados Unidos.  O crescimento vai depender muito da manutenção do dinamismo do mundo periférico que, por sua vez,  depende muito da China e, obviamente, dos EUA sustentarem o crescimento ainda modesto. Teme viver algo  parecido com o que viveu naquele 15 de setembro de 2008? As crises nunca se repetem de forma idêntica.  Primeiro, há o elemento surpresa. Ter vivido uma crise daquela já te prepara muito para agora. A noção que tudo ia muito bem afetou muito a velocidade de reação. Acho que agora as pessoas estão mais preparadas  para tomar decisões drásticas do que antigamente. Por outro lado, o problema é a governança da Europa.  Eles não têm um sistema eficiente de tomada de decisão. Não há possibilidade de decisão rápida. Pode se discutir se valeu a pena usar dinheiro público para comprar ações do Citi group, mas isso foi feito e segurou o  sistema bancário dos EUA. Podemos sim viver uma crise de grandes proporções, de liquidez, com paralisia no crédito, de dificuldade de entender crédito de contrapartida. Todos aqueles horrores daquela época, mas  agora com o epicentro na Europa. E temos o problema de coordenação: para sair da crise, vai ser muito  pior. 


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